Artigo de opinião: "Determinantes das próximas reformas da previdência"

Por IPC-IG

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Foto: Dylan Passmore. Subway passengers in São Paulo, 2006, Brazil <http://bit.ly/1jNlqZo>.

 

Por Luis Paiva, Pesquisador do Ipea e Pesquisador associado do IPC-IG*

A preocupação imediata relacionada à previdência social é saber o que, da Proposta de Emenda Constitucional 287, será aprovado pelo Congresso. Trata-se da mais ambiciosa proposta de reforma previdenciária já encaminhada pelo Executivo. Alcançaria, se aprovada, o Regime Geral (voltado para os trabalhadores da iniciativa privada) e os Regimes Próprios (voltados para servidores públicos), igualmente. Perdeu muito de sua força com o Substitutivo da Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Estimativas que Pedro Souza, Fábio Vaz e eu elaboramos indicam que, no trânsito da redação original para o Substitutivo, o percentual da população afetada pela reforma teria se reduzido de 21% para 9,5%. A Emenda apresentada pelo Governo reduziu ainda mais o escopo da reforma, para que ao menos algo seja aprovado, como a idade mínima.

A preocupação é relevante. Mas já sabemos que, ainda que algo seja aprovado, esse não será um ajuste definitivo na previdência social. Novas reformas terão que ser feitas. Portanto, tão relevante quanto avaliar a questão de curto prazo é identificar os determinantes para a proposição e o exame de reformas previdenciárias no médio e longo prazos. Dada a centralidade do tema, são esses determinantes que nos permitirão avaliar o país que o Brasil será em algumas décadas.

Nas futuras reformas previdenciárias, dois vetores continuarão atuando em direções opostas. O primeiro deles é o vetor econômico/fiscal. As projeções que realizamos sugerem que, se nada for feito, haverá um aumento das despesas do Regime Geral de Previdência Social de quase 10% do PIB nos próximos 45 anos. Viveremos em um país no qual pagaremos um terço a mais de impostos em relação ao que é pago hoje, sem que nenhum outro serviço passe a ser oferecido pelo Estado com elevado grau de qualidade. Todo esse aumento de impostos será canalizado para pagar benefícios previdenciários, muitos deles (os mais caros, na verdade) pagos a pessoas que ainda possuem capacidade de trabalhar.

A ideia de que os demais serviços manterão seu nível atual é, na verdade, enganosa. Vejamos o caso dos serviços de saúde. Com o rápido envelhecimento populacional, o perfil de doenças que afeta a população mudará radicalmente. Não haverá mais a opção de reduzir a mortalidade com medidas simples e baratas, como o uso de soro caseiro, por exemplo. A saúde ficará mais cara. E se não houver aumento de despesas, a percepção será de uma substancial redução na qualidade dos serviços. Não há “aumento de eficiência” que dê jeito nisso. Ou seja, o cenário mais provável é aquele em que pagaremos muito mais impostos e teremos, provavelmente, serviços de pior qualidade em relação ao que temos hoje. Isso, obviamente, é um vetor pró-reforma da previdência.


Infelizmente, há outro vetor, atuando na direção contrária. Como sustentam Martin Feldstein e Jeffrey Liebman, as reformas previdenciárias atingem grupos específicos, no curto prazo; os benefícios da reforma, ao contrário, são difusos e virão no longo prazo. Assim, é improvável que os beneficiados pela reforma criem uma coalisão pró-reforma; mas trabalhadores e aposentados irão, com certeza, resistir às mudanças. Além disso, aposentados têm recursos políticos escassos: tempo livre e interesses específicos. Como o número de beneficiários não para de aumentar, graças ao envelhecimento da população, a reforma tende a virar um tema “maldito”.


Paul Pierson sugeriu uma segunda maneira de olhar para esse mesmo vetor anti-reforma. Por mais que haja um diagnóstico sobre a necessidade do ajuste previdenciário, políticos têm que se manter sua viabilidade eleitoral. As estratégias para reduzir o custo político das reformas são limitadas e pouco efetivas. Pode-se, por exemplo, estimular a disputa entre grupos diferentes de eleitores. Foi o que fez o Governo Lula quando aprovou uma reforma exclusiva dos Regimes Próprios. Ou criar compensações específicas para a perda de benefícios. Pode-se também buscar consensos amplos ou tentar reduzir a visibilidade das reformas. No Brasil, nada disso parece muito promissor. As reformas terão que ser profundas e duras, atingindo a todos. A capacidade do Estado de proporcionar “compensações” será cada vez mais limitada. Até aqui, as tentativas de produção de consenso amplo fracassaram miseravelmente (como provam os Fóruns Nacionais criados para tratar do assunto). Além disso, é impossível reduzir a visibilidade das reformas, porque elas exigirão alteração Constitucional.


Assim, enfrentamos a situação na qual a reforma previdenciária será economicamente vital para a viabilidade do país, mas sua aprovação será politicamente cada vez mais difícil. Quais os possíveis desdobramentos?
Se houver predominância do primeiro vetor, teremos governos reformistas, dispostos a enfrentar o custo político de aprovar reformas previdenciárias efetivas. Isso garante alguma viabilidade ao país no longo prazo. Se houver predominância do segundo vetor, teremos governos incapazes de avaliar os dilemas nacionais de longo prazo e/ou sem vontade para enfrentar os custos políticos de curto prazo das reformas. Esses governos poderão encampar o discurso populista de que a questão previdenciária pode ser enfrentada com um pouco mais de crescimento econômico e formalização no mercado de trabalho, ou com melhorias gerenciais. É a receita para o desastre. Talvez tenhamos um equilíbrio entre os vetores, que produza mais do mesmo: proposição de reformas ambiciosas e aprovação de reformas limitadas.


Os Governos FHC e Lula tinham o diagnóstico da necessidade da reforma e apresentaram resultados concretos, embora insuficientes. A reforma proposta pelo Governo Temer vai na mesma direção. Os diversos grupos políticos que propuseram reformas previdenciárias, quando estiveram no governo, devem, onde estiverem, lembrar que elas são e serão necessárias. Talvez seja nossa única chance: a criação de um consenso mínimo para o equacionamento da questão previdenciária, que garanta a viabilidade do país.


*Artigo publicado no Jornal Valor Econômico no dia 30 de novembro de 2017. http://bit.ly/2zUVuh8